sábado, 4 de setembro de 2010

VIDAS NA ROÇA

Todas as segundas, quartas e sextas à tarde são passadas nas Roças. Para Plancas Primeiras vai a Inês, o Zé Luís e eu e para Plancas Segundas, a Isabel, o Mário e a Madalena (uma voluntária que também está na casa das Irmãs e que tem colaborado connosco). Normalmente levamos ainda algum grãozinho de cá - sentimos que ficamos todos a ganhar – eles próprios, nós, e as pessoas com quem estamos na roça. Muito embora as roças estejam à distância de poucos quilómetros uma da outra, as realidades são bastante diferentes. Apercebemo-nos disso quando chegamos a casa, e nos sentamos a lanchar contando como correu o trabalho daquela tarde.
Chegados à roça somos quase invariavelmente recebidos pelo Senhor António, um homem na casa dos 50 anos que nos acolhe sempre com um enorme aperto de mão, reflexo (acreditamos nós) da alegria e gratidão que sente por nos ter ali. Depois costumamos fazer uma espécie de visitas domiciliárias às pessoas mais idosas e/ou pessoas que vivem sozinhas nas na roça. São elas a Dona Maria, o Senhor Estevão e a Dona Cândida. Vamos às suas casas e estamos com as pessoas. São de uma simplicidade e uma espontaneidade tão grandes que me sinto ainda mais pequena no meio de pessoas com uma vida tão difícil e ainda assim com um coração tão tão grande.
Logo numa das primeiras idas à roça, ainda com o intuito de perceber e conhecer melhor a realidade, avaliar as necessidades das pessoas e perceber o tipo de actividades que iríamos desenvolver, conhecemos a Dona Maria. Uma senhora com 83 anos, cheia de vida e que estava à porta de casa a descascar bananas, enquanto um dos seus filhos preparava um peixe-palhaço, que seria o jantar deles. Algumas netas também ajudavam a descascar as bananas. Uma delas, com menos de 5 anos, brincava com uma faca afiadíssima. Avó, mãe, tias, primos, todos estavam a ver mas com o ar mais natural e descontraído de sempre. Que confusão que isto me fez. A única coisa que disse, ainda a medo foi “Não será melhor tirar a faca das mãos dela?” enquanto peguei na faca e a dava à Dona Maria. Esta foi a primeira de muitas vezes em que vi isto acontecer…
Enquanto falávamos com a Dona Maria, nos apresentávamos e explicávamos o que era o Grão, perguntamos também que tipo de apoio e ajuda ela achava que podíamos dar na roça. Qual não foi o nosso espanto quando ela nos diz “Eu gostava muito que fizessem orações ”. Olhamos os três uns para os outros e sorrimos. Apenas sorrimos. E prometemos que isso iria acontecer. Na semana seguinte cumprimos a promessa feita. Chegamos à roça e quando o Senhor António nos perguntou qual era o plano das festas para aquela tarde nós dissemos que teríamos um momento de oração com toda a comunidade e depois faríamos 2 jogos com crianças. Foi incrível. Tínhamos levado apenas algumas velas e com alguns paus que encontramos na roça fizemos uma cruz que atamos com folha de bananeira seca. Em poucos minutos estávamos cercados de crianças sentadas no chão, apareceram bancos caídos do céu, onde os adultos e as pessoas mais velhinhas se sentaram e de repente a roça ficou em silêncio. Benzemo-nos e explicamos que iríamos rezar o terço, uma oração simples e de fácil compreensão. Cantamos o “Mostra-me Senhor, teus caminhos” e começamos a rezar…Entre os mistérios as pessoas iam pondo as suas intenções…No fim, cantamos novamente, mas desta vez escolhemos o “Vem Espírito, sozinho eu não posso mais” e rezámos um Pai-Nosso de mãos dadas. Que paz e que tranquilidade se sentiu naquela tarde….Desde esse dia que a Dona Maria nos pediu se podia guardar a cruz e as velas e sempre que fazemos oração usamos essa mesma cruz que ela guarda religiosamente em sua casa.
Num outro dia na roça fomos a casa do Senhor Estevão, a casa estava completamente suja e desarrumada, os vidros com teias de aranha, comida pelo meio do chão, horrível. Então, olhamos uns para os outros e pensamos “Temos de fazer alguma coisa” e dissemos ao Senhor Estêvão que lhe limparíamos a casa naquela mesma tarde mas ele não quis. Sentia-se envergonhado por ter a sua própria casa naquele estado. Chamamos algumas netas dele que se encontravam ali, para nos ajudar mas mesmo assim foi em vão e ele insistia que não queria. Qual não é o nosso espanto quando na vez seguinte que fomos à roça ele veio receber-nos dizendo que queria muito que fossemos a sua casa. E imaginem o motivo…tinha feito uma mega limpeza à casa, fez a cama, dobrou as roupas que andavam espalhadas pela casa, varreu, tirou teias de aranha…O melhor de tudo foi ver a cara de felicidade e de orgulho do senhor enquanto nos mostrava a casa e ía dizendo “Estive a fazer isto toda a manhã”. Para nós foi também uma alegria enorme perceber que aquela nossa ideia teve resultados tão visíveis.

Aproveito este post para dizer que entre o dia 6 e o dia 15 vamos estar na roça Praia das Conchas a animar 2 campos de férias - um de formação de animadores e o outro com crianças, pelo que, para a semana não vamos conseguir escrever aqui!


Inês Caeiro

4 comentários:

  1. Esta senhora Dona Maria estava mesmo a precisar desta luz que os grãos lhe levaram!
    Apesar dos seus 83 anos cheios de vida, precisava deste impulso para poder dar a conhecer Jesus naquela roça. Através desta oração tão simples como é o terço, as pessoas se uniram e meditaram na vida de Jesus, com a intercessão de Maria. Que bom que deve ter sido!
    Beijinhos a todos.
    Maria Caeiro

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  2. Maria do Rosario Mendonça8 de setembro de 2010 às 11:55

    Querida Inês
    Como um gesto tão simples e tão fácil, pode ser tão importante e ter um significado tão gigantesco. Até fiquei comovida ao ler as tuas palavras.
    Um grande beijinho e um grande bem hajam
    t.zinha

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  3. Querida Inês,
    Vim aqui saber de ti, porque já tenho saudades!
    E foi bom encontrar-te na companhia de Santa Rafaela Maria... sabes que isso do “Mostra-me Senhor, teus caminhos” é uma frase dela?
    Beijinhos grandes! Reserva o fds de 23 de Outubro, por favor!
    Marta Silva, aci

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  4. Gostei muito de ler o que escreveu depois de todas essas vivencias a sua vida vai mudar vai olhar com outros olhos para o que a rodeia. Por cá não tem sido muito fácil o Avô não está bem e tenho a sensoção que se vai afundando de dia para dia.Tenho pena de não ter podido ir a Porto Manso e a Maçedo.GRANDES BEIJINHOS AVÓ ANA MARIA

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